sexta-feira, 8 de dezembro de 2006

Morrer de amores pelo Pico [9]

Uma vista aérea da Montanha, com neve no Piquinho Estas espectaculares férias na Ilha do Pico estão a chegar ao fim. As malas já estão feitas, de fora apenas o necessário para os dois dias que nos restam. E claro tudo o que precisamos para a subida.
Uma aventura, daquelas que nunca mais nos esqueceremos.

Bateram à porta. Era o Deodato. Vinha-nos buscar para irmos em busca do grande desafio. O tempo não estava colaborante. Muitas nuvens, a montanha envergonhada, escondia-se para lá da nossa visão. Conferimos se tudo estava preparado. O plano que o nosso amigo tinha idealizado, passava por subirmos no início da tarde, durante cerca de quatro horas. Nessa altura estaremos no Pico Alto, uma cratera com um perímetro de 700 metros e com uma profundidade de 30 metros. Montamos aí a nossa tenda e preparamo-nos para observar o pôr-do-sol. Numa das extremidades desta cratera, fica o Piquinho ou Pico Pequeno, um cone vulcânico de 70 metros de altura e que constitui o ponto mais alto da montanha. Aí esperamos ver o nascer do sol, por trás da ilha de S. Jorge, que projecta a sombra da montanha no outro lado do oceano.
Cada um de nós leva uma mochila e um cajado. Além de material para recolha de imagem, levamos uma muda de roupa, chocolates, água e pouco mais, pois a subida é difícil e quanto menos peso melhor. O Deodato leva a tenda e os saco-cama. O tempo é que não está a colaborar. Equacionámos a hipótese de não avançarmos. Mas estávamos decididos e o Deodato não nos quis contrariar.
O sol foi-nos acompanhando nos primeiros minutos da escalada, mas cedo percebemos que as condições meteorológicas não estavam connosco. Estugámos o passo, dentro do possível, para aproveitar-mos a ausência de chuva que estava eminente. Registámos, entre as muitas nuvens que já nos acompanhavam, alguns planos da ilha do Faial e da sua magnífica cidade da Horta.
Com mais de duas horas de caminho e alguns chocolates ingeridos, chegou a pluviosidade. Inicialmente, em jeito de humidade, envergonhada, como pedindo desculpa de nos molhar. Depois, mais atrevida, encharcando-nos até aos ossos. As dificuldades vão aumentando e o alto tão longe. Para percorrermos uma pequena dezena de metros, temos de contornar largos minutos de curvas e curvas, pelos trilhos delineados entre a rocha vulcânica e a vegetação selvagem.
O cansaço vai aumentado. A Célia “tenta” desanimar, mas nós não deixamos. Depois de mais de quatro horas, chegamos ao Pico Alto, onde as condições climatéricas estão ainda piores. Estamos todos desanimados. Tentamos montar a tenda, mudar de roupa e descansar, mas tenda esta encharcada e inutilizável. A mochila não resistiu à intempérie. Procurámos uma furna para nos abrigarmos e conseguimos encontrar uma, bem baixinha, o que nos proporciona algumas cabeçadas desagradáveis no tecto da nossa nova casa.
Estamos gelados. Rapidamente procuramos mudar de roupa. Pijamas por baixo, fatos de treino por cima, fórmula para ultrapassar o frio. Que não resulta. A temperatura ronda os oito graus. São sete da tarde. O vento sopra forte e a chuva não abranda. Com o evoluir da noite a temperatura vai atingir a proximidade do grau zero. A opção é resistir ao frio ou descer já, enquanto há uma réstia da luz natural. Optamos por avançar de imediato, apesar de outra dificuldade se avizinhar. Apenas o Deodato trouxe lanterna.
Depois de ultrapassarmos os trinta metros do Pico Alto, iniciamos a descida. Rapidamente a noite vai caindo. O tempo vai lentamente melhorando, mas, dizem os entendidos, descer é pior que subir. O nosso guia vai à frente, seguido pela Célia e eu. O piso está muito escorregadio. Apesar de conhecer muito bem o terreno, o nosso anfitrião escorrega e a lanterna caí e...já não volta a acender-se. A preocupação aumenta. E agora?
O Deodato transmite-nos tranquilidade. Deixamos os cajados, aproveitamos a vegetação para a utilizar como escorrega, encurtando caminho, mantendo-nos o mais junto possível, procurando, sempre que caminhamos na posição natural, colocar os pés de forma segura para evitar as quedas.
Estamos esgotados, após várias horas e muitos tombos. Pelo caminho ainda temos tempo para apreciar, de novo, o Faial, agora na versão nocturna. Espectacular. Esta visão vale a pena o esforço. Vislumbramos o fim da linha. As últimas centenas de metros parecem quilómetros, mas finalmente chegamos ao sopé desta Montanha gigantesca, após dez horas de caminhada.
Voamos a doze mil metros de altura. Dentro de uma hora vamos aterrar na Portela, dez dias depois da partida. Apesar dos músculos ainda queixosos, fruto da aventura na montanha, já temos vontade de voltar. E o Piquinho que se cuide, pois isto não vai ficar por aqui.

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