domingo, 12 de novembro de 2006

Morrer de amores pelo Pico [5]

Várias fotos da caça à baleia
O antigo baleeiro de São Mateus, continua a contar-nos as suas aventuras, jamais esquecidas por ele.

(continuação) Luís de Sousa conta que passavam o dia no mar. «Antes de anoitecer regressava uma lancha ao porto para trazer os botes e levar comida para os que ficavam na outra lancha a rebocar a baleia, que, nos últimos anos da actividade era levada para o Pico. Levava dois dias, noite e dia, a arrastar as baleias para o Pico com as duas lanchas. Era uma pescaria arriscada. Apanhámos algumas pancadas, às vezes a baleia batia no bote e a gente ficava espalhada por cima do mar entre a Graciosa e a Terceira. Tivemos sorte de não morrer.
Até ás cinco da tarde os caçadores não podiam sair do porto. A partir dessa hora estavam dispensados porque se aparecesse baleia já não havia horas para arrear. Por vezes passavam-se dias sem que se avistassem animais. Nessas alturas os homens iam de noite para pesca, porque não se podia viver só da baleia. Era uma vida arriscada, uma vida amargurada e dava pouco. A gente ganhava muito pouco. Por cada bidão de óleo de baleia ganhava-se três escudos. Uma baleia dava, no máximo, 50 bidões de óleo, ou seja 150 escudos. Em seis meses de baleia, o máximo que a gente apanhava era 35 baleias e tinha que ser um Verão bom de baleias. Começava em Maio ou Junho e acabava em Novembro. De Inverno, a gente não arreava a baleia».
Segundo Luís de Sousa a explicação para a façanha de aqueles homens conseguirem capturar as baleias estava na (in) capacidade de visão do animal. «Ela só vê para os lados, porque se ela visse para a frente e para trás não se deixava matar. Quando a gente vai trancá-la, vai pelo lado da cabeça ou do rabo que é para ela não ver o bote. Quando sente o bote já está trancada. Quando nas aflições da morte, o que a baleia apanhar come, mas não ataca, pode uma baleia estar no mar e a gente estar-lhe a tocar, que ela não ataca».
Segundo o baleeiro, a baleia caminha sempre em frente com a boca aberta «o que cair ali ela vai comendo, mas a sua refeição preferida é o “lulão”. Se ela achar a comida dela num sítio, leva dois ou três dias ali sem sair. Vai para baixo e a gente espera por ela ali. Uma baleia grande está mais ou menos uma hora por baixo de água e vinte minutos em cima. Parece que tem um relógio consigo. Este ritual é repetido vezes sem conta. Desce e volta a emergir. No entanto, se ela estiver espantada, sentir o barulho dos barcos, dos motores já não aguenta uma hora em baixo, está vinte ou trinta minutos e vem para cima. Se ela sentir barulhos, não se deixa matar, vê mal, mas ouvir, ouve longe…e se há alguma baleia ferida as outras ouvem-na e procuram-na logo».
Entre as aventuras no mar, Luís de Sousa narra a história de José Tomás Silva que conseguiu escapar de dentro da boca de uma baleia. O mais antigo baleeiro de São Mateus, ainda vivo, já não conta a sua aventura na primeira pessoa, mas apressa-se a mostrar as marcas que os dentes da baleia lhe deixaram no corpo.
Luís de Sousa ainda não ia à baleia naquele tempo, mas conhece bem a história que contam os pescadores. «Eles trancaram uma baleia. Na ocasião em que foi trancada rolou-se para dentro do bote e abraçou-o com a boca aberta. O homem ficou no meio da boca da baleia, entre o bote e a boca. Se ela fecha a boca mata-o. Calhou ela nunca fechar a boca. Ele ficou com os dedos rasgados de ver se fugia da boca dela. A baleia acabou por cair do bote e o homem conseguiu escapar, tendo sido recolhido do mar pela lancha que acompanhava os botes. Ficou apenas com um defeito numa mão e numa perna. Mas o episódio não foi suficiente para desistir da caça à baleia. Estava apenas no início de uma vida de longos anos dedicados à actividade».
Despedimo-nos com ternura deste velho homem, memória viva de uma luta, que ocorria dentro de botes frágeis e nem sempre suficientes para resistirem à força das baleias e cachalotes. Esses engenhosos botes da arriscada aventura foram substituídos por outros mais rápidos, que agora levam os turistas para outra actividade – o Whale Whatching. (continua)

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