Eufemiano Fuentes vê-se mais como um benfeitor do que malfeitor. Segundo o próprio, em testemunhos antigos, o desporto de alta competição não é coisa saudável e tudo o que ele faz é "salvar a vida a muitos ciclistas" da morte certa. Porquê? Porque subir montanhas dia sim, dia sim, não era humano.
Vai daí, Fuentes organizou um esquema de doping (EPO, transfusões de sangue) que, quando descoberto, deu origem ao caso "Operação Puerto", uma das "redes mais extensas da história do desporto", como escreveu o "The Telegraph". Ao pé do que a seguir se descreve, o esquema de Lance Armstong parece quase amador.
Em 2006, a Guardia Civil espanhola fez uns quantos raides aos escritórios de Fuentes e descobriu sacos de sangue congelado com nomes de código como 'Bella', 'Filho de Ryan' e 'Zapatero'. Tyler Hamilton, Ivan Basso e Jan Ullrich foram apanhados e suspensos. Até aqui tudo normal: lá estava o ciclismo envolto num manto de drogas e de mentiras.
Só que, depois, apareceu Jorge Jackshe, outro dos implicados na história, que disse o seguinte: "É lógico que ele [Fuentes] estava envolvido noutros desportos. E quando falávamos disso, ele mostrava-se orgulhoso. Se virem os vídeos feitos pela polícia, vão ver os nomes de código nos sacos de sangue a identificar os atletas - só que estes nomes nunca aparecem e isso é porque o Governo de Espanha está a encobrir os factos."
Também em 2006, Eufemiano Fuentes deu uma entrevista ao "Le Monde" em que garantiu ter trabalhado com futebolistas do Real Madrid, Valência, Barcelona e Bétis, entre outros. Pouco depois, o Barcelona processou o jornal francês que, sem provas físicas, ficou de mãos atadas.
Mas as suspeitas sobre Fuentes e o futebol espanhol não se ficaram por aí: quando foi encarcerado preventivamente, em 2010, o companheiro de cela garantiu que o ouviu dizer: "Se eu fosse dizer o que sei, adeus Campeonato da Europa e adeus Mundial". Os indícios são fortes.
O julgamento e a recusa
O julgamento da "Operação Puerto" começou na segunda-feira, em Espanha, e tem Eufemiano Fuentes como figura central. O Governo espanhol, escrevem os jornais, só está interessado nos factos relacionados com o doping no ciclismo, pelo qual Fuentes é acusado de ameaça à saúde pública - porque as provas recolhidas reportam a um tempo em que o doping não era considerado crime em Espanha.
Oiçam o que Fuentes confirmou em tribunal: "Em 2006, tratei tenistas, atletas, futebolistas e pugilistas. Os sacos [cerca de 200] têm um código numérico e por vezes siglas", confessou o médico, que parece estar num momento catártico. "Isto trouxe-me muitos problemas, à minha família, e o meu pai morreu por causa disto", lamentou.
Eufemiano Fuentes parece estar pronto a abrir o jogo. Na segunda audição, o médico entrou a matar: "Se me derem uma lista com os códigos dos sacos, eu identifico toda a gente que aí está." E agora entramos no mundo do surrealismo. A juíza, Julia Santamaria, perante a vontade de Fuentes, disse que não estava interessada em saber.
Os representantes do CONI (Comité Olímpico Italiano) e da AMA (Agência Mundial Antidopagem) não quiseram acreditar: "Primeiro, os espanhóis recusam-se em fornecer-nos as provas materiais. E agora a juíza recusa-se a perguntar a Fuentes os nomes que ele mesmo se propôs a entregar. É incompreensível."
A juíza defendeu-se, garantindo que não impediria de Eufemiano Fuentes relevar os nomes mas que o não forçaria a tal, porque "infringiria os direitos" das pessoas implicadas no processo.
O julgamento da "Operação Puerto" continua.
Será que o segredo da Espanha ser grande dominadora em quase todas as modalidades - nomeadamente no futebol - vai ser descoberto?
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