domingo, 21 de janeiro de 2007

Não quero fazer outra coisa

Uma imagem da Feira do Relógio, em Lisboa O desafio, desta vez lançado pelo Professor Joaquim Vieira, constava em procurar o lado humano de um vendedor ambulante. E lá fui eu...

Manhã cedo em Alverca, começa a montagem da feira semanal. Ás oito e trinta, já muitas bancadas estão a aguardar pelos fregueses. Quinze minutos depois chega Zé Pedro, Olga Maria e os seus três filhos. O dia de trabalho começa agora.
A montagem da banca inicia-se de imediato, no lugar sessenta e dois, com a ajuda do Costa, companheiro de todos os dias, do Rui, que costuma aparecer por ali, juntamente com os filhos. O sol está envergonhado, pelo que a temperatura fria de uma manhã de Inverno, promove uma instalação rápida.
A preocupação com a imagem não existe. Casacos e casaquinhos, calças, saias, blusas e camisas, são o expoente da oferta, numa mistura de cores e feitios: “Malhas a 5 € e o resto a 10 €”, grita o Zé Pedro, mastigando a sua inseparável pastilha elástica. Os primeiros clientes vão surgindo, simultaneamente com os primeiros pregões: “Tudo a 3 €”, esganiça-se ao lado: “Quatro cuecas a 1 €”, grita-se em frente, numa ladainha que se repete manhã fora.
Alguns, mais retardatários, só chegam perto das dez da manhã. Rapidamente aparece alguém, como é habitual, a troco de alguns euros, para montar o local da exposição. Em poucos minutos, a oferta aumenta para os muitos que vão percorrendo a feira.
A Olga e o Zé não têm mãos a medir, com muita clientela. Apesar das dificuldades habituais da ressaca do Natal, o negócio parece correr bem. Mas logo chegam as queixas: “Os chineses dão-nos cabo de negócio”, referência aos preços praticados pelas lojas exploradas pelos asiáticos, em locais privilegiados.
O frenesim aumenta. No ar misturam-se os cheiros a suor e perfume, que se confundem, na passagem apressada dos visitantes. Procura-se seduzi-los, num marketing explicativo: “Foi tudo roubado esta noite” ou apelativo: “Compre lá que ainda não paguei a farinha das filhós natalícias”.
Várias horas de pé vão trazendo cansaço. O Rui, de sete anos, só com a estreia escolar em Setembro, há muito que está brincar com os amigos habituais. O Pedro e o João, que de semana andam de volta dos livros, vão ajudando, aqui e acolá: “Se eles quiserem seguir neste negócio, eu gostava, mas vou deixá-los escolher”, refere o pai, acrescentando: “Esta é a minha vida” e sem se deter continuou: “Comecei com dezassete anos, gosto da feira e não quero fazer outra coisa”, rematou de forma convicta.
As treze horas chegaram. Os locais de venda começam a ser desmontados. O Costa vai dobrando as peças de roupa que vão esperar outros dias para serem vendidas, num circuito que começa ao sábado em Alverca e termina na sexta na Nazaré, passando, com um dia de descanso à quarta, pela feira do Relógio, Odivelas, Vila Franca de Xira e a inevitável Malveira.
O Zé Pedro vai trocando algumas palavras com os seus amigos, ciganos como ele, poucas vezes respeitados, quase sempre maltratados. A carrinha volta a estar atulhada de regresso ao Sobralinho, localidade de residência.
Amanhã o dia vai nascer com um novo horizonte. O Zé Pedro e a Olga Maria vão lá estar, para fazerem o que lhes dá mais prazer.


Gostei da história que escrevi, com um título que também serve para mim.
Vamos ver se o Prof também gosta.

1 comentário:

Ouriço disse...

Se eu "mandasse" fazer tanto e tão variado trabalho de grupo, os meus alunos rifafam-me. Se calhar o problema está a diferença entre as propinas e as mensalidades. Só não sei, sinceramente, qual é a diferença entre os nossos ordenados. Vou reflectir no assunto.