quinta-feira, 23 de novembro de 2006

Morrer de amores pelo Pico [7]

Caldo de Peixe à moda do PicoA visita a esta maravilhosa ilha, vai-se aproximando do fim. Agora é altura, acompanhados pelo Deodato, de conhecer o que de bom se come e bebe por aqui. E a subida ao alto da Montanha aproxima-se.



(continuação) Deixámos para trás dois dos mais importantes símbolos desta Vila Baleeira e fomos à procura de aconchego para o estômago. Aqui, a dificuldade prende-se com a escolha, devido à qualidade. Somos pessoas com sorte, tendo como anfitrião o Deodato. Um verdadeiro amigo, que entre duas garfadas, foi-nos dando uma panorâmica da gastronomia picoense.
«O mar generoso oferece-nos uma ampla variedade de matéria-prima para a confecção de deliciosos pratos. Os crustáceos como a lagosta, cavaco e o caranguejo, os moluscos encabeçados pela lapa e a craca, manjares inigualáveis, e os seus “primos” lula e polvo, base de pratos únicos como o “polvo guisado em vinho de cheiro”. Peixes de todos os tamanhos, formas, cores, texturas e sabores - abrótea, chicharro, moreia, veja (desconhecido no Continente, muito parecido com o bacalhau), írio, salema, cherne, garoupa, espadarte – tornam difícil a escolha. Cozidos, fritos ou grelhados são um pitéu, mas ainda podem oferecer-se num divinal “caldo de peixe” ou numa espectacular “caldeirada”».
O nosso Deodato, quase nem come, embrenhado na descrição gastronómica do seu Pico «mas as nossas pastagens não são menos pródigas que o mar que as rodeia. As carnes de bovino e suíno mostram-se imbatíveis numa “molha de carne à moda do Pico”, com carne de vaca ou uns “torresmos”, a partir da carne de porco. A carne de bovino não é menos apetecível num bom bife. A de suíno, faz umas singulares “linguiças” e “morcelas”».
O almoço está a terminar e chega também a altura para o nosso anfitrião falar dos acompanhamentos, sólidos e líquidos «os queijos de São João e do Arrife, ambas a partir do leite de vaca, vão muito bem com um vinho verdelho e um pão de massa sovada. Quando não se deseja experimentar os dezasseis graus do verdelho, como medo de não se conseguir levantar, aconselha-se um “vinho de cheiro” ou um dos brancos ou tintos produzidos na ilha».
Falar do vinho do Pico, é sinónimo de orgulho. Deodato não foge à regra. Ao mesmo tempo em que nos explica as origens, os seus olhos azuis vão brilhando «a cultura da vinha está associada aos primeiros tempos do povoamento, nos finais do século XV. O vinho verdelho, a partir da casta do mesmo nome, ganhou reputação mundial ao longo dos séculos, chegando à mesa dos czares russos. A partir do século XIX são introduzidas novas castas que dão origem a vinhos de mesa brancos e tintos. O modo de cultivo, contra a aspereza dos terrenos vulcânicos quase sem terra vegetal, em currais, que são áreas muradas de pedra negra, de muito pequena dimensão, marca igualmente a cultura da nossa ilha».
Um golo de verdelho e a retoma da explicação «prova da importância local e mundial é o facto da UNESCO, em Julho de 2004, ter considerado a Paisagem Protegida de Interesse Regional da Cultura da Vinha da Ilha do Pico, criada em 1996, como Património Mundial da Humanidade. Currais, maroiços, que são diversos amontoados de pedra em forma de pirâmide, vinhas e adegas com os seus equipamentos, são elementos emblemáticos da vinha e do vinho».
A refeição já ia longa, mas os doces e os digestivos estavam a chegar, motivo para ficarmos a saber mais sobre a doçaria local e não só «adoçamos a boca com um bom prato de arroz doce, massa sovada ou rosquilhas. Para rematar, um bagaço do Pico, uma aguardente de figo ou um dos vários licores a partir de amora, nêspera ou de uma “angelica”». (continua)

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